domingo, 21 de maio de 2017

INTRIGA INTERNACIONAL


INTRIGA INTERNACIONAL (1959)

"North by Northwest” é, definitivamente, um filme de perseguição. Alfred Hitchcok afirmou que, depois de se sentir extenuado com a sua anterior realização, um filme complexo como “Vertigo” (1958), queria a seguir algo muito mais leve, alegre, divertido, e aproveitou o clima de guerra fria que se vivia no mundo para realizar esta obra de espionagem que, todavia, tem tudo que pertence a este mestre, do suspense, é certo, mas mestre sobretudo do cinema mundial.
Se não, vejamos. O falso culpado é o tema central, como central é em quase todas as obras de Hitch.  Um executivo nova-iorquino, Roger Thornhill (Cary Grant), cuja profissão é a publicidade, é tomado por um tal "George Kaplan” que uma agência de espionagem norte-americana inventou para desviar as atenções e tentar iludir Phillip Vandamm (James Mason). Roger Thornhill será capturado pelos homens de mão de Vandamm. Mas consegue fugir. E essa fuga vai levá-lo a Chicago e de Chicago até às famosas estátuas dos rostos dos presidentes dos EUA, esculpidas em rocha, no Mount Rushmore. As peripécias são tantas e tão invulgares que só o talento e o humor de Alfred Hitchcock permitiriam que as mesmas adquirissem alguma credibilidade, pelos menos a suficiente para o espectador torcer pelo protagonista durante duas horas, na sala escura de um cinema (ou, agora, mais prosaicamente, na sua sala de estar, frente ao televisor). Mas a verdade é que Hitch conduz esta cavalgada quilométrica com uma elegância, uma inquietação, uma ironia que nos deliciam.
Mas além do falso culpado, Hitch não passa sem uma loura verdadeira, neste caso Eva Marie Saint que, alguns anos antes (1954), fora premiada com o Oscar de Melhor Actriz pelo seu desempenho em “Há Lodo no Cais”. Ela é Eve Kendall, uma misteriosa mulher que o publicitário em fuga encontra a bordo de um comboio, com quem estabelece uma fulminante relação de empatia (ou mesmo de algo mais) e que se manterá muito misteriosa até se perceber quem ela é, ou quem nós pensávamos que era. Mas, no final, numa cena que o próprio Hitch considera como das mais sexualmente explícitas do seu cinema, o casal, a bordo de um novo comboio, penetra (não esqueçam a palavra!) num túnel que tudo indica ter uma leitura simbólica muito embora o Mestre tenha igualmente declarado que este filme tinha muito pouco simbolismo.


Mas tem e muito. Apesar de ser um aparente divertimento, este é um filme carregado de sugestivas interpretações e de um imprescindível "MacGuffin", uma designação inventada por Hitchcock para designar uma falsa pista, aqui um objecto adquirido num leilão de obras de arte e que contém no seu interior microfilmes com fórmulas secretas que serão desviadas pelos espiões. Mas este é afinal um problema lateral à própria intriga de “North by Northwest”. Todas as obsessões e fantasmas de Hitchcock se encontram bem inseridas nesta obra, muito embora se possa considerar um filme menos denso do que o já citado “Vertigo” (mas haveria dezenas de outros títulos deste cineasta que poderiam igualmente ser citados). Acontece que o ar ligeiro deste thriller só o é na aparência, sendo sobretudo de realçar a angustiante situação de “perseguido por engano” do protagonista que, cada vez que procura solucionar o seu caso, se encontra mais envolvido em suspeitas. Há uma altura em que alguém é assassinado à sua frente e, a partir daí, Roger Thornhill passa igualmente a ser perseguido pela polícia, o que torna ainda mais dramática a sua fuga. Depois, além de um culpado ser falso, quase todos à sua volta também são falsos como judas, aparentando ser o que não são, apesar de alguns serem, não serem e voltarem a ser, o que leva à criação de um universo de permanente dúvida. Um universo em que o protagonista não acredita em ninguém, mas em que ninguém também parece, na realidade, acreditar nele (muito embora muitos saibam que ele fala verdade, mas essa verdade pode não interessar a certos interesses). O mundo torna-se um lugar difícil de habitar, e mesmo numa paisagem quase deserta, numa planície imensa, a imprevisibilidade é permanente, como acontece nessa fabulosa sequência em que Roger Thornhill é chamado a uma cilada e um avião de pulverizar insecticida o tenta abater. 
O filme tem uma belíssima partitura musical de um dos grandes compositores para cinema, Bernard Herrmann, uma magnífica fotografia a cores de Robert Burks, e tudo concorre tecnicamente para o sucesso desta obra que se tornou num dos grandes triunfos da carreira de Hitch. De resto, a interpretação é igualmente extraordinária, não só da parte de Cary Grant, um dos actores de estimação do mestre do suspense, mas igualmente por parte de Eva Marie Saint (Eve Kendall), James Mason, Leo G. Carroll, Josephine Hutchinson ou Martin Landau. 


INTRIGA INTERNACIONAL 
Título original: North by Northwest 
Realização: Alfred Hitchcock (EUA, 1959); Argumento: Ernest Lehman; Produção: Herbert Coleman, Alfred Hitchcock; Música: Bernard Herrmann; Fotografia (cor): Robert Burks; Montagem: George Tomasini; Casting: Leonard Murphy; Design de produção: Robert F.  Boyle; Direcção artística: William A. Horning, Merrill Pye; Decoração: Henry Grace, Frank R. McKelvy; Maquilhagem: Sydney Guilaroff, William Tuttle, Peggy Shannon, Stanley Smith; Guarda-roupa: Harry Kress; Direcção de Produção: Ruby Rosenberg; Assistentes de realização: Robert Saunders, Mickey McCardle, Tim Whelan Jr.;  Departamento de arte: Matty Azzarone, Mentor Huebner;  Som: Franklin Milton; Efeitos especiais: A. Arnold Gillespie;  Efeitos visuais: Cliff , Matthew Yuricich; Companhias de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes: Cary Grant (Roger O. Thornhill), Eva Marie Saint (Eve Kendall), James Mason (Phillip Vandamm), Jessie Royce (Clara Thornhill), Leo G. Carroll (o Professor), Josephine Hutchinson (Mrs. Townsend), Philip Ober (Lester Townsend), Martin Landau (Leonard), Adam Williams (Valerian), Edward Platt (Victor Larrabee), Robert Ellenstein (Licht), Les Tremayn, Philip Coolidge, Patrick McVey, Edward Binns, Ken Lynch, Stanley Adams, Andy Albin, Ernest Anderson, Sam Bagley, Baynes Barron, Steve Carruthers, David A. Cox, Walter Coy, Patricia Cutts, Tommy Farrell, Bess Flowers, Sally Fraser, Tom Greenway, Alfred Hitchcock homem a perder o autocarro),  Stuart Holmes, Bobby Johnson, Sid Kane, Kenner G. Kemp, Madge Kennedy, Doreen Lang, Larry Leverett, Frank Marlowe, Nora Marlowe, Maura McGiveney, Henry O'Neill, Murray Pollack,  Maudie Prickett, Ralph Reed Cosmo Sardo, Harvey Stephens, Frank Wilcox, etc. Duração: 135 minutos; Distribuição em Portugal: M.G.M.; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 8 de Março de 1960.


CARY GRANT (1904 - 1986) 
Archibald Alexander Leach, mais conhecido por Cary Grant, nasceu a 18 de Janeiro de 1904, em Horfield, Bristol, Inglaterra, e viria a falecer a 29 de Novembro de 1986, em Davenport, Iowa, EUA, aos 82 anos, vítima de uma hemorragia cerebral. Casado com Virginia Cherrill (1934 - 1935), Barbara Hutton (1942 - 1945), Betsy Drake (1949 - 1962), Dyan Cannon (1965 - 1968) e Barbara Harris (1981 - 1986). Conta-se que a mãe de Archibald, quando este era ainda muito miúdo, o vestia como uma menina, o que terá tido algum efeito perturbador na sua personalidade. O pai, por seu turno, levou-o, aos seis anos, a assistir a um espectáculo de pantomima que ele adorou. O produtor, Robert Lomas, precisando de mais uma criança para o seu show, contratou Archibald, que partiu em tournée para Berlim. Aí, um empresário americano, Jesse Lasky, levou-os, a bordo do Lusitânia, com destino à Broadway. Regressou depois a Bristol, e aos estudos. Aos nove anos, passou a viver apenas com o pai pois a mãe dera entrada num hospício. Aos treze, deixa a escola, falsifica a assinatura do pai, e entra para a companhia do comediante Bob Pender. Por dois anos apresentou-se em diversas cidades da Inglaterra até que, em Julho de 1920, com 16 anos, foi um dos escolhidos por Pender para uma nova tournée, esta de dois anos, pelos Estados Unidos. Archibald não voltaria a Inglaterra. Trabalhou como arrumador de cinema, vendeu gravatas e interpretou números de variedades. Depois viajou para Hollywood, onde a sua elegância e porte chamaram a atenção de Ben Schulberg, da Paramount, onde mudou de nome, passando a "Cary Grant". A estreia no cinema aconteceu em 1932, num musical medíocre, “Esposa Improvisada”, mas rapidamente lhe surgiu uma boa oportunidade, para trabalhar sob as ordens de Josef von Stenberg, ao lado de Marlene Dietrich, em “Vénus Loira”. Mas só em 1935, com “Sylvia Scarlett”, ombreando com Katharine Hepburn, adquiriu o estrelato, onde se manteve até final da vida, sendo considerado um dos maiores comediantes de sempre. Sucederam-se êxitos como “Bringing Up Baby” (1938), “Gunga Din” (1939), “His Girl Friday” (1940), “The Philadelphia Story” (1940), “Suspicion” (1941), “Arsenic and Old Lace” (1944). Em 1933, conheceu o actor Randolph Scott, o qual, segundo se sabia, era amante do milionário Howard Hughes. Mas a atracção entre ambos foi imediata e recíproca, e os dois passaram a ter uma longa e polémica relação homossexual, já que Scott se mudou para o apartamento de Grant. Os estúdios obrigaram-nos a morar em casas separadas e, face às pressões impostas, Grant nunca chegou a assumir publicamente que este teria sido o grande amor da sua vida. No ano seguinte, foi “obrigado” a casar com a actriz Virginia Cherrill, mas o embuste ainda chamou mais a atenção, dado que Cary Grant, pouco depois, tentou o suicídio. Divorciado, voltou a morar com Randolph Scott. Em 1941, durante a II Guerra Mundial, tornou-se cidadão norte-americano, e, a 8 de Julho de 1942, casou-se com a milionária Barbara Hutton, de quem se divorciou três anos mais tarde. As décadas de 40 e 50 foram pródigas em grandes sucessos, como “Notorious” (1946), de Alfred Hitchcock, ao lado de Ingrid Bergman no filme de Alfred Hitchcock, a que se seguiram “The Bishop's Wife” (1947), “To Catch a Thief” (1955), “An Affair to Remember” (1957), “Indiscreet” (1958), ou “North by Northwest”. Com “Penny Serenade” (1941), e “None but the Lonely Heart” (1944) foi nomeado para o Oscar de Melhor Actor, que nunca conquistou. Mas em 1970, a Academia conferiu-lhe um Oscar honorário pelo conjunto da sua obra. Em 1957, casado com a actriz Betsy Drake, apaixonou-se perdidamente por Sophia Loren, mas esta, comprometida com o produtor italiano Carlo Ponti, não lhe correspondeu. Casa-se depois com a actriz Dyan Cannon, de quem também se divorciou, para voltar a casar, em 1981, com a actriz Barbara Harris. Alfred Hitchcock, Leo McCarey e Howard Hawks, foram realizadores que sempre o preferiram e conta-se que o escritor inglês Ian Fleming se baseou na sua figura, elegância e maneiras para criar a personagem de James Bond, 007. Chegou a receber um convite para encarnar a figura, o que recusou, vindo o mesmo a ser desempenhado por Sean Connery. Em 1966, depois do seu trabalho em “Walk, Don't Run”, terminou a sua carreira, pois se considerava fora dos estereótipos do galã, e nunca aceitaria trabalhar como actor secundário. No inquérito promovido pelo American Film Institute para encontrar as Grandes Lendas do Cinema, figura em 2º lugar, e foi votado o 6º maior actor da História do Cinema pela revista Entertainment Weekly. Na lista das 100 Maiores Histórias de Amor do Cinema, publicada pelo American Film Institute, e organizada em 2002, Gary Grant figura por seis vezes: “O Grande Amor da Minha Vida” (1957), em 5º lugar, “Casamento Escandaloso” (1940), “Com a Verdade Me Enganas (1937), em 77º, e “Difamação” (1946), em 87º. Cary Grant quase morreu no palco, pois teve uma hemorragia cerebral fulminante, aos 82 anos, ao sair do Teatro Adler, em Davenport, Iowa, onde ensaiava um espectáculo "An Evening With Cary Grant". Morreu poucas horas depois e o corpo seria levado para Los Angeles onde, conforme a sua vontade, foi cremado sem qualquer cerimónia fúnebre. Antes de morrer, avisou a mulher e os filhos “de que depois de morto, coisas horríveis iriam ser ditas a seu respeito”. 


Filmografia / no cinema (principais filmes): 1932: This Is the Night (Esposa Improvisada), de Frank Tuttle Blonde Venus (A Vénus Loira), de Josef von Sternberg; 1933: Alice in Wonderland (Alice no País das Fadas), de Norman Z. McLeod; 1934: Thirty Day Princess (30 Dias Princesa), de Marion Gering; Born to Be Bad (Nascida para o Mal), de Lowell Sherman; 1935: Sylvia Scarlett (Sylvia Scarlett), de George Cukor; 1936: Big Brown Eyes (Aqueles Olhos Negros), de Raoul Walsh; 1937: Topper (O Par Invisível), de Norman Z. McLeod; The Awful Truth (Com a Verdade Me Enganas), de Leo McCarey; 1938: Bringing Up Baby (Duas Feras), de Howard Hawks; Holiday (A Irmã da Minha Noiva), de George Cukor; 1939: Gunga Din (Gunga Din), de George Stevens; Only Angels Have Wings (Paraíso Infernal), de Howard Hawks; In Name Only (Engano Nupcial), de John Cromwell; 1940: His Girl Friday (O Grande Escândalo), de Howard Hawks; My Favorite Wife (A Minha Mulher Favorita), de Garson Kanin;The Howards of Virginia (Paixão da Liberdade), de Frank Lloyd; The Philadelphia Story (Casamento Escandaloso), de George Cukor; 1941: Penny Serenade (A Canção da Saudade), de George Stevens; Suspicion (Suspeita), de Alfred Hitchcock; 1942: The Talk of the Town (O Assunto do Dia), de George Stevens; Once Upon a Honeymoon (Lua Sem Mel), de Leo McCarey; 1943: Mr. Lucky (O Senhor Felizardo), de H.C. Potter; Destination Tokyo (Rumo a Tóquio), de Delmer Daves; 1944: Once Upon a Time (O Eterno Fantasista), de Alexander Hall; 1944: None But the Lonely Heart (O Vagabundo), de Clifford Odets; Arsenic and Old Lace (O Mundo É um Manicómio), de Frank Capra; 1946: Without Reservations (A Viajante Clandestina), de Mervyn LeRoy; Night and Day (Fantasia Dourada), de Michael Curtiz; Notorious (Difamação), de Alfred Hitchcock; 1947: The Bachelor and the Bobby-Soxer (O Solteirão e a Pequena), de Irving Reis; The Bishop's Wife (O Mensageiro do Céu), de Henry Koster; 1948: Mr. Blandings Builds His Dream House (O Lar dos Meus Sonhos), de Henry C. Potter; 1949: I Was a Male War Bride (Fizeram-me Passar por Mulher), de Howard Hawks; 1950: Crisis, de Richard Brooks; 1951: People Will Talk (Falam as Más-Línguas), de Joseph L. Mankiewicz; 1952: Room for One More (Sempre Cabe Mais Um), de Norman Taurog; Monkey Business (A Culpa Foi do Macaco), de Howard Hawks; 1953: Dream Wife (A Esposa Ideal), de Sidney Sheldon; 1955: To Catch a Thief (Ladrão de Casaca), de Alfred Hitchcock; 1957: An Affair to Remember (O Grande Amor da Minha Vida), de Leo McCarey; The Pride and the Passion (Orgulho e Paixão), de Stanley Kramer; Kiss Them for Me (Quatro Dias de Loucura), de Stanley Donen; 1958: Indiscreet (Indiscreto), de Stanley Donen; Houseboat (Quase nos Teus Braços), de Melville Shavelson; 1959: North by Northwest (Intriga Internacional), de Alfred Hitchcock; Operation Petticoat (Manobra de Saias), de Blake Edwards; 1960: The Grass Is Greener (Ele, Ela e o Marido), de Stanley Donen; 1962: That Touch of Mink (Carícias de Luxo), de Delbert Mann; 1963: Charade (Charada), de Stanley Donen; 1964: Father Goose (Grão-Lobo Chama), de Ralph Nelson; 1966: Walk Don't Run (Devagar, não Corra), de Charles Walters. 

Sem comentários:

Enviar um comentário